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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Nova página na história do Irã

Já se tornou uma platitude dizer que os protestos de rua dos últimos dez dias em Teerã são as mais contundentes manifestações espontâneas ocorridas no Irã desde o formidável movimento que há 30 anos uniu a nação milenar contra o sistema monárquico e abriu caminho para a instauração da República Islâmica, sob a inspiração do implacável aiatolá

Ruhollah Khomeini. No entanto, os acontecimentos desencadeados pelo que tudo indica

ter sido a fraude em larga escala com a qual a teocracia tratou de assegurar a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, seu fiel servidor, vão além disso. Constituem a mais fascinante expressão de descontentamento maciço com a sonegação dos princípios fundamentais da democracia e das liberdades políticas já vista no mundo desde a revolta popular que há 20 anos pôs abaixo o Muro de Berlim e, na sequência, soterrou o comunismo no Leste Europeu. Não se quer dizer com isso que a história está fadada a se repetir no Oriente Médio, embora seja significativo que, logo na primeira hora das passeatas, autoridades iranianas tenham advertido que não haverá lugar para uma “revolução de veludo”, como os levantes em geral pacíficos que alforriaram os então Estados-satélites da União Soviética. O desenrolar do que poderá ser, ou não, a crise terminal do regime dos turbantes é evidentemente uma incógnita. O essencial a ressaltar, de todo modo, é a singularidade do confronto no primeiro país muçulmano a adotar na era contemporânea a primazia dos mandamentos corânicos – e numa interpretação integrista sobre as leis e as instituições nacionais. A face literalmente mais notável daquiloque distingue esse conflito é a irrupção, como arma de combate político, do que a tecnologia das comunicações tem de mais moderno e acessível a milhões de pessoas. Não se trata apenas, o que já não seria pouco, do uso em si da internet, especialmente por meio de telefones celulares, para o registro e o envio de imagens e textos que em instantes percorrem o globo, tornando patéticas as tentativas governamentais de cercear a difusão

da verdade dos fatos nas ruas iranianas a magnitude dos protestos e a sua sangrenta repressão. A utilização sem precedentes de tais facilidades, além de compensarem certa

medida os efeitos do banimento dos correspondentes estrangeiros no país, introduz um dado novo na equação política iraniana e na resposta da comunidade internacional aos eventos em curso. Isso conta: apesar do seu fanatismo e da sua clamorosa hostilidade ao

Ocidente, não está nos planos dos aiatolás segregar o Irã do mundo, como uma segunda Coreia do Norte. (Sem falar no aspecto do que os manifestantes iranianos ensinam com suas mensagens instantâneas a outras sociedades oprimidas.) A outra peculiaridade da crise vem de suas origens.Aeleição fraudada não foi uma competição entre uma depto e um inimigo do sistema. O oposicionista Mir Hossein Mousavi não se apresentou como um contestador da autocracia, mas como um duro crítico do desastroso governo Ahmadinejad.

Mousavi tampouco é um outsider: antigo primeiro-ministro, foi apoiado por setores clericais

cautelosamente reformistas, a começar do aiatolá e ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, com ascendência sobre a chamada Assembleia dos Especialistas. Esse colegiado de 86 religiosos escolhe e supervisiona o líder supremo a quem respondem todos os titulares do aparelho estatal – no caso, o aiatolá AliKhamenei. Ele não só respaldou o seu seguidor Ahmadinejad, como declarou “definitiva” a sua vitória e deu a senha para a repressão ao responsabilizar Mousavi pelo “derramamento de sangue e caos” que viessem a acontecer. Do emaranhado de nexos do estabelecimento religioso com as instituições civis resultam as tensões provavelmente insolúveis que antepõem a lei islâmica absolutista, que deve prevalecer sobre a esfera política, à democracia prometida pela revolução de 1979 – em nome da fé. Essas tensões finalmente explodiram, sob o impulso de uma nova geração para a qual o Islã não tem todas as respostas que as suas aspirações demandam. Uma nova página na história do Irã começou a ser escrita. Terminará ou na tragédia do endurecimento do regime ou em avanço democrático. Em qualquer das hipóteses, a República Islâmica e a sociedade iraniana já não serão as mesmas.

Chifre em cabeça decavalo

O enterro do terceiro mandato não teve a marcha fúnebre que merecia. Afinal, o parecer do deputado petista José Genoino, considerando “fulminada de inconstitucionalidade” a proposta de emenda constitucional que daria aos presidentes da República, assim como aos governadores e prefeitos, a chance de duas reeleições, foi a única boa notícia verdadeiramente

importante vinda do Congresso Nacional este ano. Pode-se argumentar que não era notícia. Sim e não. Desde que essa história começou, em janeiro de 2007, quando os tucanos plantaram o (falso) alarme na imprensa, a hipótese nunca esteve de fato nas cartas de Lula – ou pelo menos nunca apareceu um indício que se devesse levar a sério de que estivesse. Se alguma coisa ele fez a esse respeito nestes dois anos e pico, foi ficar rouco de tanto negar que quisesse um terceiro período consecutivo de governo – além de puxar o tapete do companheiro Devanir Ribeiro com o seu projeto de dar ao presidente a prerrogativa de convocar plebiscitos sobre o que bem entendesse. Quando o deputado saiu falando nisso, a imprensa apressou- se a lembrar que se tratava de um amigo íntimo do homem desde os anos heróicos do ABC. Da mesma forma que alguns comentaristas diriam até há bem pouco que faltava alguma coisa nas negativas de Lula para serem aceitas pelo valor de face. A teoria de que ele conspirava para continuar, ou que aceitaria docemente constrangido mais quatro anos se viessem de bandeja, abasteceu-se ainda na revelação da enfermidade da candidata do presidente para 2010, a ministra Dilma Rousseff. Seria o tal do plano B. Foi preciso que o PT se pusesse a proclamar que “o terceiro mandato se chama Dilma” para sossegar a tigrada. Em seguida, a escalação de Genoino para relatar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a emenda oportunista no sentido que se dá ao termo em infectologia do deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe, encerrou o assunto. Na semana passada, quando se consumou o que se previa, o atestado de óbito da rerreeleição teve menos destaque do que o capítulo do dia dos escândalos sem fim do Senado. Estranho não se perguntar por que o terceiro mandato não passava de chifre em cabeça de cavalo. A resposta de que Lula não o queria é claramente insuficiente. A sua recusa decerto se baseou num cálculo realista de custo-benefício e, por onde quer que ele tenha olhado a questão, não lhe deve ter sido difícil perceber que não pagava a pena. Mas como, se de novembro de 2007 para cá diminuiu de 65% para 49%, segundo o Datafolha, a parcela de brasileiros contrários a que ele pudesse concorrer mais uma vez ao Planalto, no ano que vem? Mas como, se o céu é o limite para a sua popularidade? Só que para dar certo a operação continuísta dependeria de ser o Brasil outro país, com outra História e outra cultura política. Vem de longe, embora numa caminhada aos trancos e barrancos, a noção de que o poder se toma no voto e de que a alternância no governo é o arranjo mais confortável para a acomodação de conflitos e a conciliação de interesses. Só de 1937 a 1945, convém insistir, não houve eleições por aqui. Até os generais de 1964 sacaram que o revezamento de ditadores, com a chancela de um Congresso domesticado, era a alternativa mais indicada para a sustentação do regime. O PT não destoa dessa tradição. Mesmo na sua fase carbonária, foi um partido eleitoral. (O que os partidos fazem para ganhar eleições e o que fazem depois de chegar lá é outra história.) Para vencer em2002 Lula precisou prometer que não viraria a mesa. Mais importante, cumpriu a promessa. Bancou e levou adiante a estabilidade econômica enquanto desancava a “herança maldita”. E, pelos meios que os fins lhe indicavam, investiu na estabilidade política enquanto, amaneira de seu antecessor, mandava esquecer o que dizia – no caso, o que dizia dos políticos quando o PT ainda estava na periferia do sistema. Dessa perspectiva, a mudança das regras para a obtenção do terceiro mandato seria uma aventura não só onerosa – que poderia acabar no Supremo Tribunal, mas, no limite, desnecessária. Mesmo que o PSDB volte ao Planalto em 2010, se Lula sair dali consagrado, como tudo indica, e se se mantiver na crista da onda pelos quatro anos seguintes, as suas chances de retomar o poder serão altas. O PT, de seu lado, vai trabalhar como nunca para aumentar substancialmente as suas bancadas no Congresso (embora ao preço de ceder ao grão-aliado PMDB a primazia em diversos Estados). Se tudo é cálculo – porque é da natureza da política fazer uma conta de chegar com as convicções e as oportunidades o que interessa é o que fica disso para a democracia. O desfecho da lengalenga do terceiro mandato foi ao mesmo tempo efeito da robustez dos valores democráticos e um passo a mais para o seu enraizamento, como no círculo virtuoso em que o consenso em torno da democracia torna um bom negócio para os líderes políticos mostrar que jogam conforme os padrões democráticos. Em matéria eleitoral, consistem essencialmente na certeza das regras e na incerteza dos resultados, como ressaltou o deputado José Genoino no parecer com que não só abateu a emenda Barreto, mas também fincou um precedente contra futuras espertezas do gênero. Há muito que um membro do Congresso não produzia um texto assim o cristalino sobre a lógica que mantém em pé o sistema nas suas palavras, as “cláusulas implícitas da Constituição”. “Antes de qualquer outra coisa”, observou, fazendo lembrar o casuísmo da reeleição do presidente Fernando Henrique, “a medida proposta agride o senso comum de justiça e razoabilidade ao pretender aplicar- se aos atuais detentores de mandato eletivo, alterando as regras do jogo político em andamento, no intuito de favorecer determinados resultados.” Daqui a pouco, arrematou, “podem propor mais um, outro e mais mandatos, quebrando o princípio republicano”. Não vão poder propor mais nada.

Luiz Weis é jornalista

Adiferença entre servir à Pátria e servir-se dela

Esses escândalos no Senado propiciam uma ótima oportunidade para “passar o País a limpo” e “mudar tudo o que está aí”, como pregava o PT de Lula quando se fingia de PV (um partido de vestais). A existência de decisões secretas que produzem gastos públicos para pagar privilégios privados caracteriza a traição do princípio elementar da transparência, sem o qual é impossível o cidadão saber como o Estado usa o dinheiro que lhe toma na forma de impostos. A clandestinidade é uma maneira aceitável de desafiar a lei se acoberta grupos políticos que combatem alguma tirania, mas inaceitável se ocorre numa instituição republicana, que exerce um poder de representação da cidadania. No caso, o benefício da clandestinidade aprofunda a crise da representatividade, passando o Congresso de clube privado a bando mafioso. Dois episódios recentes ilustram a malsã confusão vigente – na Monarquia e nas Nova e Velha Repúblicas, no Estado Novo e na democracia liberal de 1946, na ditadura militar e na atual gestão petista – entre a coisa pública e a vida privada. Ao se defender, da tribuna do Senado, com voz tatibitate e trêmula (favor não confundir com embargada), o presidente da Casa (e ex da República) disse que a crise não era dele mesmo, mas da instituição. E cobrou mais respeito por tudo quanto teria feito pela Pátria. Suas frases gaguejadas encontraram eco na voz rouca e solícita do “absolvedor-geral da República”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se arvorou a subverter o conceito basilar sobre o qual está erigida a nossa e qualquer outra ordem institucional democrática que se preze – o de que “todos são iguais perante a lei”. Como o Senado não é uma vaga entidade, mas uma instituição representativa da sociedade, composta por membros eleitos pela cidadania, a crise que o atinge é de todos os brasileiros, em particular dos senadores e, mais em particular ainda, de quem o preside. Se nem isso Sarney conseguiu aprender em tantos anos de “serviço” público, a coisa pode ser mais grave do que parece. Mas absurdo maior que tentar fugir da responsabilidade de enfrentar a crise é se pretender acima da lei, como Sarney disse ser, da tribuna. E Lula avalizou, direto do Casaquistão, onde foi fotografado envergando um bizarro traje que trouxe à lembrança fantasias carnavalescas do Baile do Municipal, quando havia. Não há ninguém acima da lei: não estava, por exemplo, o heroico garoto que impediu a inundação dos Países Baixos pondo o dedo no buraco do dique. Isso não evita que este redator banque o advogado do diabo e pergunte ao presidente do Senado a que serviços ele se referiu quando avocou a inimputabilidade: os que prestou à ditadura militar, presidindo o partido por meio do qual ela pretendeu se legitimar, ou ao doce constrangimento com que assumiu o cargo máximo no lugar do presidente morto da dita Nova República? Lula, sim, pode-se gabar de ter sido herói da Pátria quando ajudou a derrubar a longa noite dos porões, comandando operários em greve que desmancharam a frágil ordem legal vigente do regime dos quartéis. Nem isso lhe dá, contudo, o direito de se conceder ou transferir a outrem a condição de inimputável, que no império da lei simplesmente inexiste. Na condição de conciliador das elites dos bacharéis e patriarcas de antanho com as elites de ex-guerrilheiros e sindicalistas de hoje, e principal beneficiário de seu pacto solidário – como demonstrou, com invulgar brilho, o cientista político

Leôncio Martins Rodrigues, neste jornal, o presidente nada de braçadas nesse incidente. Pois tira proveito da desmoralização do Legislativo, da qual se beneficia legislando em seu lugar, ao mesmo tempo que socorre seus maiorais para continuar tendo-os a seu serviço e sob seu cutelo magnânimo. Mais que as palavras do pecador irredutível e de seu caprichoso absovedor, trouxe notícia recente a evidência que não faltava da mistureba de público e privado que a aliança da porteira do curral de votos com a porta de fábrica fortalece neste nosso Brasil varonil. A governadora do Maranhão, Roseana Sarney, herdeira do patriarca, dar ao contribuinte a subida honra de pagar o salário de seu mordomo é a prova mais deslavada de que, para seu clã, prestar serviços à Pátria é permitir que os patriotas lhe paguem os serviçais. Nesta rede de termos que se cruzam e se explicam entre si, é significativo que o cargo exercido pelo servidor na casa da governadora maranhense em Brasília seja o de mordomo – raiz etimológica do neologismo mordomia, usado para designar os privilégios das castas política e burocrática em série de reportagens de Ricardo Kotscho publicada neste jornal

em plena ditadura. Como nas comédias de erros (de Shakespeare aos humorísticos populares de televisão) – e que não se perca a piada pela própria designação do gênero teatral –, o mordomo Amaury de Jesus Machado atende pela alcunha de Secreta, de “secretário”, mas também denominação aplicada aos atos clandestinos que permitem esse e outros tipos de abusos. Secreta recebe, na condição de motorista “noturno” do Senado (que nem sequer funciona tanto assim à luz do dia), R$ 12 mil por mês. Lembro-me de que, quando constituinte,

Lula me confidenciou, em tom de espanto, que a “companheira” que servia café em seu gabinete ganhava mais que os mais qualificados metalúrgicos do ABC, seus liderados. Hoje, porém, estando em sua mão o timão do pacto dos patriarcas dos grotões com os hierarcas dos sindicatos, que governa o País, já não se espanta com o fato de o povo pobre pagar ao motorista e mordomo salários com os quais sonham em vão médicos, professores e outros servidores públicos menos votados. Por que político nenhum, dentro ou fora do Congresso, fica indignado com isso?

José Nêumanne, - jornalista e escritor, é Editor jornalista do Jornal da Tarde

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